domingo, 28 de dezembro de 2008

A casa dos outros

"A D. Maria tem 47 anos...e um cancro do ovário. O marido, já reformado, quis satisfazer-lhe o desejo de não morrer no hospital.Têm uma filha, a acabar o curso na universidade: boa aluna, em altura de exames...precisa de estudar e a sua mãe está a terminar os seus dias de vida no quarto ao lado. A D. Maria está em cuidados paliativos...e sabe disso!Já não quer comer, bebe apenas alguns goles de água. Tem um soro para que lhe possamos dar a medicação. Tem uma perfusão permanente de morfina, cuja eficácia não é total. A barriga...como descrever? Tem uma colostomia, que mal funciona...está inchada, como um balão que vai rebentar...e de facto, começa a rebentar: abrem-se fístulas espontaneamente e as fezes saem por todo o lado.O cheiro? Não consigo descrever! O corpo? Pele e osso, para ser mais exacta!Há metástases no fígado, no pulmão...a respiração é ofegante...já lávão 5 semanas...Diariamente desloco-me a casa da D. Maria, duas ou três vezes: para dar medicação, para cuidar daquela barriga...para falar com ela, para dar o apoio possível ao marido que tenta fazer o que sabe e o que pode.
O sofrimento? É grande...de todos!

Mas eu sou enfermeira: não é suposto que me seja difícil ver o sofrimento dos outros!

Tudo se torna mais difícil quando estou a sós com a D. Maria, que me agarra na mão e me pede insistentemente...que termine com a vida dela!Os apelos são cada vez mais frequentes, mais desesperados: "Por favor! Se tem compaixão de mim, injecte-me qualquer coisa para terminar de vez com esta agonia! Pela sua felicidade, por favor, acabe com a minha vida..." E eu tenho compaixão...mas nada posso fazer! A dor não se consegue controlar, é impossível cuidar dela sem lhe provocar ainda mais dores?

O que faz uma enfermeira? Vai-se embora, para casa, a sentir-se inútil...A sentir-se incapaz...A ouvir repetidamente aquele apelo...e a desejar, embora lhe custe muito, que a eutanásia fosse possível! Mas, se fosse possível...e a praticasse, como iria para casa?Mas para quê falar disto?...

Os enfermeiros não têm sentimentos!

Saio dali, continuo o meu trabalho domiciliário: agora entro numa barraca, onde chove dentro, onde há ratos, pulgas, lixo...onde o cheiro nos faz perder o apetite...O Sr. José tem 87 anos e vive sozinho. Tem uma úlcera varicosa. Tenho que fazer o penso. Não há água...nem sequer as mãos posso lavar. Passo-as por álcool à saída e lavo-as na casa do próximo utente.Chove desalmadamente. Volto para o carro, pelo meio da lama. Carrego as malas do material para os cuidados.

Mas para quê falar disto?...A minha profissão não é penosa!...

Próxima paragem: D. Joaquina, 92 anos, vive numas águas furtadas, 5º andar, sem elevador. Subo as escadas de madeira, apodrecidas, obscuras, com medo que alguma tábua se parta. Carrego com as malas do material...A D. Joaquina vive com uma irmã, naquele espaço exíguo. Teve uma trombose. Tem úlceras de pressão. O tecto é baixo, inclinado, a cama está encostada à parede. Para lhe prestar cuidados tenho que me pôr de joelhos no chão e ficar inclinada.Quando me tento endireitar as minhas costas doem...tenho as pernas dormentes...pego nas malas, desço as escadas...continua a chover...procuro o carro que tive que estacionar a 500 metros!

Mas, para quê falar disso? Os enfermeiros não se queixam...

Próximo desafio: a Helena! Toxicodependente...tem SIDA, continua a consumir...com sorte, ainda lá encontro o traficante em casa...mas as enfermeiras não têm medo!

Continuo: o Sr. Manuel é diabético, divorciado, tem 50 anos, foi amputado de uma perna, vive sozinho num 3º andar. Há 2 anos que não sai de casa: como fazer? Das poucas pessoas, com quem convive, são as enfermeiras! Precisa de conversar...como lhe dizer que ainda tenho mais 4, ou 8 pessoas e que não tenho tempo para estar ali a ouvi-lo?

Mas para quê falar disso? Os enfermeiros só dão injecções e fazem pensos...tudo o resto é supérfluo!

Para quê falar da solidão do outro, da minha impotência, do pedido de eutanásia, da chuva, do frio, do sol, do calor, do mau cheiro, das minhas dores nas pernas, do material do penso a conspurcar o meu carro (a seguir vou buscar a minha filha à escola!), das dores nas costas, do medo, da insegurança, do ventre desfeito, da tristeza, da compaixão...Não, a penosidade e o risco devem ser uma ilusão minha...

Não, as enfermeiras não choram!

Mas sabem?... as lágrimas que mais doem são aquelas que não correm!"


...o texto não sei quem o escreveu, li-o num diário de uma colega e não resisti a fazer dele o meu post de hoje...

Sem palavras.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


(totalmente) no rés do chão.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.


José Luís Peixoto
A criança em ruínas

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

amanhã


amanhã é o ultimo dia de aulas...
amanhã é dia de voltar a ter direito à diversão, à noite ( sem ser de estudo), aos sorrisos partilhados, ao convívio, às gargalhadas...
amanhã é noite de sair, de divertir, de dançar e de cair na cama com a certeza de não ter horas de lá sair ... :)


na sexta, hum... :)
é dia de ficar em casa todo o dia, enroscada num sofá quente onde os canais da televisão são poucos para o dia inteiro que tens para os percorrer... e esperar pela hora do beijinho, do miminho e do carinho que tanto fazem falta :)

está quase, quase, quase ...

cheira-me a liberdade!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

testemunho

"...depois de tudo o que vivi e passei , aprendi a dar mais valor à profissão de um enfermeiro... é humana, muito humana. chega onde o médico não chega. são essenciais, vivem o dia conosco..."
Tio.
é bom ter-te de volta em casa...
já tenho saudades de jogar PES :)
... damos tanto valor aos nossos momentos quando eles se perdem no tempo...
e é bom ver que A Profissão é reconhecida e que é a ideal...
é bom cuidar, tratar, ajudar , e ser ...
é bom estar à altura do que faz falta, resolver e no fim, sorrir junto dos outros...
faço o que quero, o que gosto, o que me deixa completa. :)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

dia cinzento

...carregado
...escuro
...pesado
...dias que não fazem falta
...dias que roubam sorrisos
...tiram o calor
...o canto dos pássaros
...o brincar das crianças
...dias que roubam o aconchego do coração.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

...pedaços de um céu,
no meu pequeno mundo...

sábado, 6 de dezembro de 2008


sem medo de naufragar.
com doces sorrisos.
( uma palavra para te tocar)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

a música de hoje....


" Era uma vez um Pensamento Teu " - Mafalda Veiga


"... o tempo que não foi tempo não passou
o sonho que se fez pele e se guardou aqui ficou,
como se fosse sopro asa ar escondeu-se em nós,
e no teu olhar...
Fica para sempre um tempo de te Amar,
Ficar para sempre um pouco do que sou..."